Mário Spinelli
Assédio eleitoral: empresas precisam dizer não a essa prática
Por Mário Spinelli
Professor da Escola de Administração de Empresa da FGV, diretor executivo de Compliance Regulatório na Protiviti, ex-ouvidor-geral da Petrobras, ex-controlador-geral do Município de São Paulo e-geral de Minas Gerais
Encerrado todo o processo das eleições presidenciais brasileiras, empresas que buscam ser socialmente responsáveis têm um novo dever de casa: disciplinar internamente a prevenção e o combate ao assédio eleitoral. Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), o processo eleitoral de 2022 apresentou número recorde de denúncias. Em um período de apenas seis meses, entre maio e novembro, foram recebidas pelo MPT 2.838 denúncias de assédio eleitoral, relativas a 2.137 empresas ou pessoas investigadas.
Somente nas regiões Sudeste e Sul foram recebidas quase duas mil denúncias de assédio eleitoral, sendo que Minas Gerais foi recordista, totalizando incríveis 607 casos e nada menos que 433 empresas ou pessoas investigadas. Houve denúncias de assédio eleitoral praticado contra empregados em todos os 26 estados brasileiros.
O assédio eleitoral pode ser conceituado como toda prática no ambiente das relações de trabalho que envolva ameaça ou constrangimento de trabalhadores para direcionar votos a um determinado candidato ou partido. Trata-se, portanto, de inadmissível violência contra a liberdade das pessoas, que, além de ferir a democracia, contraria claramente a Constituição, que tem como fundamento o pluralismo político e a livre escolha para fins eleitorais por meio do voto direto e secreto.
O assédio eleitoral também viola a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação, e que veda toda distinção, exclusão ou preferência feita com base em opinião política, de modo a anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no trabalho. Além disso, também pode se configurar como crime, previsto no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65, art. 301), que fixa pena de reclusão de até quatro anos a quem, ainda que não consiga lograr êxito, usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em candidato ou partido.
Os números de denúncias de assédio eleitoral no Brasil são chocantes e acendem alerta. É preciso que as empresas disciplinem a questão em programas de integridade, dando ao assunto a importância que merece. A primeira dessas medidas é incluir nos códigos de conduta ética dispositivos que estabeleçam a não aceitação de qualquer forma de assédio eleitoral, além de inserir o tema nos treinamentos periódicos. Além disso, é necessário que haja canais de denúncias independentes que permitam reportes, inclusive anônimos, sobre situações relacionadas ao constrangimento com fins eleitorais e que se garanta a devida punição, qualquer que seja a função exercida, caso caracterizada tal prática.
Mas, talvez a medida mais importante seja justamente a conscientização dos ocupantes dos cargos de direção e da alta administração das empresas. São eles que, mais frequentemente, buscam direcionar a escolha política dos empregados. A prática do assédio eleitoral é incompatível com ambiente laboral sadio e respeitoso. E, nesse caso específico, o tom que vem cima é ainda mais essencial. É necessário haver compromisso público dos dirigentes de que haverá o pleno respeito à liberdade de escolha dos empregados e que nenhum ato será efetuado para constrangê-los a votar em determinado candidato ou partido.
Uma das características fundamentais dos regimes democráticos é justamente a possibilidade dos eleitores de escolher candidatos e partidos de acordo com sua própria opinião e vontade. Exatamente por isso, empresas realmente comprometidas com a integridade e a responsabilidade social têm que adotar medidas que previnam e combatam o assédio eleitoral, não tolerando prática que possa violar o direito que as pessoas têm de livremente escolher quem as irá representar.
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